quarta-feira, 19 de outubro de 2011

* O amor, a música e o tarô

Fortuna ~ Crowley-Harris Thoth Tarot ~ Fonte: Albideuter.de

Talvez, uma das coisas mais contraditórias que poderia-se afirmar sobre o Arcano X, Fortuna, ou a Roda da Fortuna, é que ela trata de um nobre e velho sentimento conhecido, o amor. Qualquer tarólogo derrubaria meu argumento em dois segundos, faria vista grossa ou poderia me acusar de liberdade de interpretação ou rearranjo simbólico.

Ainda assim, após reflexões contínuas, vou exercer meu direito de teimosia e talvez descortinar um símbolo tão enigmático como a esfinge ou então que se torna tão evidente no momento em que o ser é tomado pela flecha do cupido, apaixona-se e, em poucos reveses, permite-se mergulhar no amor.

É mais do que óbvio relacionar o amor ou o apaixonar-se ao Arcano VI, Os Amantes ou O Enamorado. Talvez pelo próprio simbolismo clássico retratar uma escolha entre duas pessoas, dois caminhos ou, em outros baralhos, um casamento alquímico sendo realizado. Mas a obviedade se encerra dentro de um limite contextual.

Afinal, para haver dúvida é preciso haver opções. Para namorar, é preciso haver um parceiro para você. O pacote está pronto aqui. A panela já estava fervendo, com água, sal e óleo, só falta agora colocar a massa e cozinhá-la por 8 minutos ou até o ponto desejado. Enquanto em outra, o molho acompanhante está prestes a evaporar todo seu excesso de água e atingir a cremosidade ideal. Que o molho cobrirá abundantemente a massa e o conjunto salpicado por queijo, isso até quem não sabe fritar um ovo já está careca de saber. Eu, pelo menos sei que não estava com fome enquanto escrevia este post.

O simbolismo do Arcano VI se encerra em si mesmo e contextualiza todo o decorrente. Mas não explica como é que tudo funciona em si. Não explica como foi preparado o molho (ah, comida de novo não!), ou melhor, não explica como os elementos envolvidos na questão foram levados àquele "status quo". Então, o que realmente implica no antes, no agora e no depois, cujo resultado se dá numa escolha ou casamento, simbolizado na carta em foco?

O Enamorado ~ Spanish Tarot ~ Fonte: Albideuter.de

Da cozinha, vou apelar para a História. Na época em que se tem notícia do surgimento do tarô na Europa medieval, a questão dos relacionamentos afetivos eram muito importantes no quesito em que representavam a união política de duas entidades familiares (leia-se aqui as que detinham algum impacto social, ou seja, a corte que predominava naquelas regiões!). Casamento era, nesse contexto, um acordo comercial, onde a união dos herdeiros representavam sempre um lucro para as famílias envolvidas. Seja a conservação das fortunas conquistadas, dos bens materiais, seja a aquisição de títulos, havia sempre um interesse por detrás da escolha e a que fosse mais conveniente para os envolvidos era realizada. A vontade própria, do casal a ser unido, não era levada em consideração.

Ainda hoje, passado seis séculos do surgimento do tarô, há interesse envolvido nos relacionamentos e não raro pais forçam seus filhos em direção à determinada pessoa X ou pessoa Y. Logo, não é difícil associar a simplicidade do símbolo clássico d'O Enamorado. Ele está em dúvida entre exercer a escolha feita por conveniência, unindo-se à quem fora anteriormente "vendido" dentro da tradição (O Hierofante ou O Papa, arcano V) ou unir-se à donzela que ele conheceu um dia, por acaso, onde ela era uma "pobre camponesa do campo que ia todos os dias ao bosque colher lenha" e ficou "ENAMORADO"! Em outros termos, encantado - simples assim. Ele seria muito sortudo mesmo se a donzela prometida fosse aquela por quem se encantou.

Agora imagine que o pobre moço tenha que escolher entre o amor de sua vida e a conveniência imposta pela tradição. Por isso o tarô mostra ele unindo-se a uma (a da tradição), enquanto olha para a dama-objeto de sua vontade, que é deixada para trás. Mas claro, se ele resolvesse escolher de fato por sua vontade e pela verdadeira amada, o veríamos vestindo uma armadura de coragem no arcano seguinte, disposto à lutar, n'A Carruagem, arcano VII.

Se seis séculos se passaram, sempre com a repetição das mesmas histórias, mudando apenas as personagens envolvidas, nada mais justo do que deixar de se preocupar se eles se casaram ou compraram uma bicicleta e voltar à pergunta inicial: Qual foi a motriz dos fatos, que desencadeou a escolha e os fatores em questão?

Veja bem. Ao descrever as circunstâncias explicativas acima, coloquei algumas palavras em negrito, cujos significados são automaticamente associados à tão enigmática Roda da Fortuna. Se explicada, fala sobre ciclos, alternância, sobre movimentos de mudança, ação e reação, surpresa, ser pego pelo inesperado ou arrastado pelas circunstâncias. Mas esta é a roda do destino. Boa ou má fortuna são resultados possíveis, dependendo somente das ESCOLHAS.

Mas a forma de me fazer entender é falar de modo a tocar o seu coração, para que não reste dúvidas de que amar alguém é obra do destino. E o modo que escolhi para fazer isso é, através de uma série de músicas, exemplificar de forma prática. Pronto para uma viagem musical? Então pressione Play, abaixo.


Tudo começa com Ana Carolina, em Carvão (2006, Álbum Dois Quartos, Sony BMG). O futuro enamorado é apenas um jovenzinho quando a Roda da Fortuna começa a agir. E sobre fatores absolutamente tachados como coincidência, a sincronicidade o leva a ver pela primeira vez os olhos daquela pessoa por quem se apaixonará.

"Surgiu como um clarão, um raio me cortando a escuridão" o desperta para aquele olhar, que lhe causa um inexplicável interesse "e veio me puxando pela mão por onde não imaginei seguir". Surge sentimento intenso e inexplicável, um misto de assombro, interesse e medo, o que coloca toda a estrutura racional em conflito e termina nele, se questionando, "não sei quem é você". A Fortuna lhe pegou, meu caro jovem. E você foi encantado.


A curiosidade, que tomou conta, o impulsionará automaticamente à comunicação. Ele vai querer se aproximar, cercar-se da pessoa e de alguma forma, vai querer satisfazer sua curiosidade. E o diálogo, explícito, será trivial, porém, implícito, estará a intenção. A comunicação verbal e não-verbal ocorre, sendo que nenhuma música poderia melhor para retratar tal momento do que I've Got This Friend (2011, Álbum Barton Hollow, Produtor Charlie Peacock), da dupla The Civil Wars.

Uma apresentação onde cada um fala de si mesmo em uma imagem fictícia de uma terceira pessoa e termina com a conclusão de que "ela parece adorável" e "ele parece surgido diretamente de um sonho". Já entregue à necessidade do enlace, nosso enamorado entende que "seria uma pena se eles não se encontrassem", pois ali entenderam que são "a pessoa certa" um para o outro. Fortuna, meu caro enamorado, te conduziu. E te enredou.


E a Fortuna, inevitável, acontece. O beijo, tão esperado. A troca entre duas almas, o contato, selado ali, lábio tocando lábio. E a química entre ambos se expressa. O instinto aflora e toca o ser num nível que vai além do emocional. "Voltar aos dezessete, depois de viver um século" é a sensação causada, pois nada que houve antes importa mais e ali tudo recomeça. Os lábios "vão se envolvendo, envolvendo, como a hera sobre o muro" e o sentimento "vai brotando, brotando, como o musgo sobre a pedra".

O corpo alquímico está se transformado, os olhos percebem tudo como se estivessem tingidos de rosa. A respiração aumenta, o coração dispara. Hormônios são lançados no sangue "com todo seu colorido tem passeado por minhas veias". Medo se intensifica em "meu passo retrocede quando o teu avança" mas a certeza atinge o interno na "arca das alianças penetrou em meu ninho". É Volver a Los Diecisiete (original de Violeta Parra, 1966, Álbum Las Últimas Composiciones, RCA Victor), interpretada maravilhosamente por Mercedes Sosa e Milton Nascimento.


Os lábios desgrudam, o olhar do enamorado se vê em outro mundo. "Você faz meu coração bater mais rápido" e ele sai de si mesmo. Toda uma imensidão de detalhes se torna perceptível em sua visão, como se enxergasse o mundo pela primeira vez. "Você me vira ao contrário, até eu não poder mais me controlar", é cantado em Faster (2011, Álbum Modern Love, Produção Mark Weinberg and Matt Nathanson, Marshall Altman), de Matt Nathanson.

Uma espécie de euforia misturada à timidez toma conta e a Roda da Fortuna gira velozmente em seu peito. "Você tem o sabor da luz do sol e de chiclete de morango", pensa, alucinado, tentando descrever pra si mesmo sua própria experiência. Entregue ele está, "você me domina" e agitado, "pois eu pulo, caio, rastejo, imploro, roubo, vigio". Agora o limite de si mesmo foi ultrapassado. Quer consumir-se no corpo encantado que vê em sua frente. E o enamorado se vê, rodopiando com a Roda (da Fortuna).


Ansiedade, pele, cheiro, toque, feromônios. A Roda da Fortuna, girando velozmente, faz o enamorado perder o controle mental. Sua persona é tomada pelo seu animal interno, puramente instintivo e a luxúria começa a tomar conta de si. "Você... seu sexo está em chamas". "Lábios macios estão abertos". "Quente como uma febre, ossos tremendo, eu poderia apenas provar." A libido está aflorada e há mais a se descortinar.

É chegado aquele momento intenso. Do rosa, o tom perceptível pelos sentidos beira o vermelho. O calor dos corpos aumenta. E o enamorado se torna "consumido com as palavras que você transpira", em Sex on Fire (2008, Álbum Only by the Night, RCA), da banda Kings of Leon. O movimento, o sobe-e-desce, a velocidade, o descontrole. É a ação do Arcano X, a Fortuna, a Roda da Fortuna, a unir Os Amantes, a torná-los um só. E concluir sua ação.

Aonde terminará essa viagem? Não está escrita no destino. O destino fez sua parte, os colocou frente à frente. Sem escapatórias. Tirou-lhes o fator racional e controlado para lançá-los em uma jaula, como feras instintivas, que são. Sem máscaras, apenas viventes. Puro sentimento. Então, à partir de agora, são escolhas. Deste passo em diante sim, terá-se que decidir qual o melhor caminho a seguir. E então, verdadeiramente, inicia-se o processo do arcano VI.

Uma vida juntos? Uma vida separados? Apenas um momento? Uma entrega? As possibilidades são ilimitadas. E não se resumem apenas em escolhas banais. Para concluir a viagem musical, um último vídeo. Love The Way You Lie (2010, Single, Produção de Alex da Kid), por Eminem e Rihanna, retratando o mais puro instinto, o fogo que consome os amantes. Amor e ódio fundidos e soltos na animalidade.


Eu, Adash Van Teufel, prefiro correr o risco de provar o sabor do beijo à beber do amargo da dúvida. E você, o que prefere? Arrisca-se à Fortuna ou segue pelo que lhe parece conveniente? Pense à respeito!

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5 comentários:

Katharina Dupont disse...

Maravilhoso meu querido amigo.. realmente viajei nesse post ou vindo suas comparações e músicas ( tô escutando KOL até agora) mas lembrando que sim, tudo é um risco e mesmo que decidamos nos jogar e arriscar ainda assim podemos contar com o revés da Roda num relacionamento.. é nesse momento em que construimos o destino , nessa decisão de s ejogar ou não

Eu , Kath, escolho arriscar.. sempre

Anônimo disse...

Querido hermano!Então como sabe-lo se não experimenta-lo.....uma decisão e nos entregamos de alma,Adash...vc sempre me surpreendendo com tanta perfeição de ideias e palavras que vc coloca com tanta sabedoria! TE AMO!

AugustoCrowley disse...

Concordo com seu post com certeza.
Em resumo A roda representa tudo que nos chega a principio de forma inesperada, mas na verdade com um sentido muito importante inserido no contexto, mas cabe a nós, fazer a escolha entre viver o momento, aproveitar a oportunidade, encarar o desafio, ou não. Parabéns por mais um excelente texto. Abs!

Isa_Cat disse...

Caramba, pai, direto na mosca! Hoje voltando do cursinho, cansada, pensando naquela pessoa, me veio justamente esse tipo de pensamento: e se não for para ser? A sorte foi lançada, os pudores superados e o conveniente deixado para trás... cada qual faz suas escolhas e a vida segue. A Fortuna nos guia até um ponto, como e por onde prosseguir depois que (teoricamente) todos os passos foram dados? A resposta é que não há receita de bolo, e mesmo nós, habituados com o Tarot e sua dinâmica, temos que lembrar que há muito mais envolvido nessa grande teia de fatos, acontecimentos e sentimentos mesclados no giro da Roda. Adorei as canções, e a reflexão, veio bem a calhar!
Enquanto isso, é ver que ponto a massa e o molho irão tomar... :P

Gemini disse...

"E você, o que prefere? Arrisca-se à Fortuna ou segue pelo que lhe parece conveniente?"

Minha Sacerdotisa carrega habilmente 7 espadas para aproveitar ao máximo seu momento 9 de ouros.
Digamos que eu me arrisco de forma conveniente. ;) Temos que aproveitar a Roda, porque como diz a música: "Round and round and round she goes, where she stops nobody knows".

Grande abraço pra ti, Adash!

Doraci.